domingo, 19 de novembro de 2017

Gestão escolar e financiamento: da social-democracia ao neoliberalismo à brasileira


Adriano Felix da Silva[1]
                     
  
            Ao abordar a temática da gestão escolar e financiamento vemos a necessidade a priori de procurar entender a gestão escolar no bojo da política pública. Desse modo, podemos compreender a política pública como as ações que os Governos procuram realizar a fim de intervir, pelo Estado, nos conflitos sociais, em setores específicos da sociedade.
            Para tanto, vemos que as políticas públicas representam o esforço na construção a partir de demandas sociais que historicamente se institucionalizaram e foram reconhecidas como direitos do cidadão brasileiro. Nesse sentido, podemos perceber, através da leitura de Martins (2010) que, é de responsabilidade do Estado garantir o financiamento a esses direitos ao cidadão. Pensamento este, que podemos corroborar ao evocar a Constituição de 1934, que inclui um capítulo acerca da ordem econômica e social, e pelo florescimento da abordagem Keynesiana numa maior intervenção do Estado voltado para o bem-estar social desenvolvido em escala mundial. “Consolidou-se um tipo de Estado que planeja, intervém na economia e cria políticas sociais, como o Welfare State inglês, o État-Providence francês e o Sozialstaat alemão, cada qual com seu perfil e história próprios” (BEHRING; BOSCHETTI, citado por MARTINS, 2010). Mas, enquanto ao Brasil, temos um plano nacional?
            Pelo menos a Constituição Cidadã, de 1988, sela, o compromisso do Estado Brasileiro com a produção de políticas públicas cuja ordem social tem por objetivo o bem-estar e a justiça social (art. 193), mesmo que o liberalismo econômico, iniciado na década de 1970, veja os investimentos sociais como gastos patológicos a serem sanados pelo mercado.
            Desse modo, quem financiaria a educação nacional? Os governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998; 1999-2002) implantaram programas liberais centralizados no âmbito federal em prejuízo à colaboração recíproca entre os entes federados, contribuindo assim para a desarticulação de experiências e projetos para a educação que viam sendo elaborados para e educação básica; forçando, sobremaneira, os sistemas e escolas a buscarem fontes complementares de renda. Todo esse cenário produzido pelo liberalismo da década de 1990, parece-nos promover uma ambiguidade na relação entre as políticas pública, pois, certamente, o caráter inclusivo e democrático faz prevalecer a ênfase gerencial, com forte viés tecnicista e produtivista e dá parecer de normalidade à desigualdade do cenário em que se dá a educação brasileira, como vemos a partir de Dourado (2007).
           Nesse ínterim, analisamos a gestão sobre a educação que passa a contar com as relações público/privado e suas consequências sob a perspectiva de Peroni (2012) que destaca a gestão democrática da educação em tempos de parceria entre o público e o privado. Esse movimento de financiamento da educação básica considera como o público não estatal influencia a gestão pública por meio de parcerias. Sobre “privado” logo nos vem à tona o caráter capitalista de uma sociedade e, por conseguinte sua lógica de mercado. E é essa mesma lógica que é introduzida na escola pública. Peroni destaca que esse tipo de parceria surgiu como uma terceira via em resposta aos embates ideológicos entre a social-democracia (política que apoia intervenções econômicas e sociais do Estado para promover justiça social dentro do sistema capitalista) e o neoliberalismo (defende o Estado mínimo em assuntos econômicos e o livre mercado). Cria-se o quase-mercado[2] para que o neoliberalismo tenha uma maior aceitação entre a população. Escolas consideradas boas, com os investimentos do setor privado é o resultado da aplicação da parceira público/privado fomentado pela Terceira Via que se coloca entre o neoliberalismo e a social-democracia, mas não rompe com a ideia de que o Estado é culpado pela crise econômica gerada pelos gastos com o social. Dessa forma, tanto o neoliberalismo quanto a Terceira Via utilizam uma gestão gerencial como parâmetro para a educação pública. O individualismo é marca desse sistema que busca na meritocracia a meta para uma educação pautada na disputa de mercado, na qual, cada vez mais vem ganhando espaço entre a população pelo seu chamado apelativo de marketing impecável.
            Nossa história, enquanto identidade nacional parece-nos que vai sendo tecida através de nuances ideologicamente produzida, mas o que parece permanecer entre nós é que, sempre que nos afirmamos como nação, que busca a justiça e a ordem social, somos surpreendidos por um retorno à ideologia neoliberal a fim de estabelecer um pacto para apaziguar o mercado à moda brasileira, tipo “um grande acordo nacional, [...] com tudo”.


REFERÊNCIAS:

DOURADO, Luiz Fernandes. Políticas e Gestão da Educação Básica no Brasil: limites e perspectivas. Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. 921-946, out. 2007.

MARTINS, Paulo de Sena. O financiamento da educação básica como política pública. RBPAE – v.26, n.3, p. 497-514, set./dez. 2010.

PERONI, Vera Maria Vidal. A gestão democrática da educação em tempos de parceria entre o público e o privado. Pro-Posições, Campinas, v. 23, n. 2 (68), p. 19-31, maio/ago. 2012.



[1]  Graduando em Ciências Sociais (Licenciatura) pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB. E-mail: adrianocroft@hotmail.com
[2] “Trata-se de um espaço de disputa por um bem altamente valorizado pela maior parte da sciedade: escolas consideradas boas”. Disponível em:  http://www.revistaeducação.com.br/logica-de-quase-mercado/. Acesso em: 05/10/2017.

domingo, 12 de novembro de 2017

Política e Gestão da Educação: caminho para emancipação social e política do indivíduo.

          Ao abordar a temática da Política e Gestão da Educação vemos a necessidade a priori de definir um conceito que estará posto como pré-requisito para a compreensão do texto em análise, a saber, gestão. Dessa forma, vemos que o enfoque da autora está subentendido em seu título que traz consigo princípios da gestão democrática. Certamente, o resgate da origem da palavra “gestão” em sua origem latina que se deriva do verbo “gestar” evoca a participação do sujeito em seu compromisso com todas as pessoas que serão geridas pelo indivíduo.
            Os estudos sobre gestão mostram que ela deve ser democrática, notadamente a partir de três aspectos: a gestão participativa, um novo papel para o gestor e a autonomia escolar. Base esta que servirá para formar as pessoas para a democracia.
            Escarião (2009) insere a discussão sobre globalização e seus efeitos na política e gestão da educação num mundo neoliberal que é regido pelo mercado mundial por meio do livre comércio. A globalização se caracteriza pela identificação de campos sociais em permanente conflito e que ruirá ao alcançar os limites suportáveis da humanidade. No mundo e no Brasil, de modo mais particular a nós, a globalização recria a transnacionalização do trabalho, da cultura e da educação transcendendo as fronteiras dos regimes políticos e projetos nacionais sem ater para os regionalismos e geopolíticas.
            Este fenômeno da globalização se intensificou a partir dos anos de 1970 que desencadeou uma das mais significativas mudanças para a área educacional: a nova organização da produção em suas relações com o conhecimento procurando produzir trabalhadores profissionalizados voltados para os interesses do mercado. Nesse contexto, as políticas educacionais incorporam os efeitos da globalização intensificando o processo para uma exclusão evidente das pessoas destituídas de poder econômico e político no Brasil. Acaba, portanto, tendo domínios sociais da educação, da cultura, a produção do conhecimento e dos processos de ensino.
            Com isso, a autora nos apresenta o conceito de “sociologia das ausências” que se trata de uma investigação que visa demonstrar que o que não existe é, na verdade, produzido como não existente. Assim, uma produção de não-existência ocorre quando uma coisa é desqualificada e tornada invisível e destaca cinco lógicas de produção da não-existência: 1)a monocultura do saber e do rigor do saber; 2) monocultura do tempo linear, a ideia de que a história tem sentido e direção únicos e conhecidos; 3) a lógica da classificação social; 4)  lógica da produção da inexistência é a lógica da escala dominante; 5) a lógica da não-existência é a lógica produtivista. Sendo assim, sua proposta procura substituir um futuro linear em uma investigação de possibilidades plurais concretas que podem ser utópicas ou realistas, constituídas através do presente com a sociologia das emergências numa visão mais cosmopolita.
            Desse modo, a partir dessa discussão sobre a globalização e seu processo de exclusão social torna-se necessário estabelecer as lutas contra a exclusão e transformar s desigualdades em experiência compartilhadas buscando políticas de gestão fundamentais para o estabelecimento da democracia e na promoção da emancipação humana.
            Certamente, para podemos lutar por uma democracia mais humana complementamos aqui como a noção sobre direitos apresentada por Carlos Roberto Jamil Cury em seu artigo intitulado Direito à educação: direito à igualdade, direito à diferença. Apresenta este artigo um enfoque na prerrogativa de que não há no mundo um país que não garanta o acesso de seus cidadãos à educação básica em suas leis ganhando destaque na moderna sociedade. Para ele, a educação é um pré-requisito para se chegar direitos civis e demais direitos.
            Cabe ao Estado, portanto, oferecer acesso à educação como direito do cidadão de modo gratuito para que possa favorecer a todos sem distinção econômica. o direito à educação é estabelecido na forma da lei como direito declarado. Isto possibilita ao indivíduo a sua

emancipação social e política como o acesso ao saber.

            O acesso à educação dá ao indivíduo a chave de autoconstrução, pois terá condições de fazer escolhas. Sendo assim, tida como direito e tendo por sua vez sua efetivação, a educação e suas práticas sociais se convertem em instrumento de redução das desigualdades na busca de uma aproximação pacifica entre todos os povos.


ESCARIÃO, G. N. D. Política e Gestão da Educação. 2009 (Elaboração do material didático para o curso de política e gestão da educação à distância para o curso de Letras). p. 53-83.
CURY, Carlos Roberto Jamil. Direito à educação: direito à igualdade, direito à diferença.Cadernos de Pesquisa, n. 116, p 245-262, julho/2002.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

SÉRGIO MORO: EMPRESÁRIO MORAL E A OPERAÇÃO LAVA JATO

          Com certa regularidade vemos, nos mais diversos meios de comunicação social, notícias sobre a atual conjuntura ética da política brasileira. Protagonizam os mais diferentes agentes da sociedade com suas ponderações políticas e jurídicas, nas diferentes instâncias de poder, um embate de interesses nos quais a maior parte da população, se não acompanha, ao menos compartilha em suas redes sociais as notícias de maior relevância para corroborar suas posições nesse ínterim de purificação moral.
             Certamente, mesmo os que não acompanham o dia-a-dia da política nacional já se depararam com o termo “Lava-Jato” empregado nas notícias que envolvem representantes do povo e nomes ligados a empresas de grande poder econômico.
            Em destaque surgem algumas figuras nesse panteão de agentes da moralidade que procuram um “bode expiatório” para, assim, purgar a sociedade do mal da corrupção. De certo, dentre estes o mais emblemático e atuante na “Operação Lava Jato” é o juiz federal Sérgio Moro[1] que ganhou notoriedade frente às classes mais conservadoras do país no tocante a posições políticas e valores morais que majoritariamente são integrantes das classes médias e alta brasileiras.
            Para corroborar a imagem de “empresário moral”[2] o juiz Sérgio Moro é apresentado pela chamada “grande mídia nacional”, com destaque, em suas ponderações e juízos no âmbito da Lava Jato muitas vezes como herói nacional[3]. Então, para procurarmos entender essa posição de empresário moral se faz necessário tomarmos as reflexões do cientista social norte-americano Howard Becker (nascido em abril de 1928) em sua obra Outsiders de 1963 em que desenvolve sua abordagem sobre a sociologia do desvio.  
            Ora, ao falarmos de desvio ou mesmo desviante, provavelmente, seremos levados a ver a imagem de um infrator das regras sociais.


É um fato interessante que a maior parte da pesquisa e da especulação científica sobre o desvio diga respeito às pessoas que infringem regras, não      àquelas que criam e impõem. [...] Cumpre ver o desvio, e os outsiders que personificam a concepção abstrata, como uma consequência de um processo       de interação entre pessoas, algumas das quais, a serviço de seus próprios interesses, fazem e impõem regras que apanham outras – que, a serviço de seus próprios interesses, cometeram atos rotulados de desviantes. (BECKER, 2008, p. 167-168).

Sendo assim, a partir dessa perspectiva beckeriana, onde o conceito de desvio não seja remetido, em sua análise sociológica, apenas àqueles que possuem o rótulo de outsiders, mas também àqueles que os produzem, ou seja, os empreendedores morais. Porquanto é mister tomarmos aqui a atuação do juiz Sérgio Moro na operação Lava-Jato que apresenta um bom exemplo do "empresário moral" descrito por Howard Becker no seu livro outsiders.
            Nota-se que, em âmbito midiático, o juiz federal que tomou para si as rédeas da operação Lava Jato, vem numa empreitada moral para rotular de corruptos aqueles que estão ou estiveram envolvidos com entidades governamentais e grandes empresas privadas.
            Essa cruzada moral elegeu, por assim dizer o seu Graal, no qual todo seu tempo, energia e paixão estão encerrados. E, caso o juiz da 13ª vara federal de Curitiba, alcance o seu Santo Graal, o que será da operação Lava Jato? Ele perde sua ocupação, pois o que começou com um empreendimento moral, passou a ser seu trabalho de tempo integral.[1] Portanto, cabe ao empresário moral estabelecer o que deve ser considerado desvio e a quem deva ser rotulado. Sua ocupação passa ser sua preocupação e este fará uso dos mais diversos recursos para ter sucesso em seu empreendimento.
             A utilização da opinião pública, por exemplo, será estimulada através dos meios de comunicação em massa como jornais impresso e televisivo. O site MANCHETÔMETRO (www.manchetometro.com.br) especializado em comparar manchetes dos mais influentes meios de comunicação nacional, analisou as principais siglas partidárias ora mencionadas nas principais capas de jornais impressos e destaques de jornais televisivos no contexto da Lava Jato.
            Nesta página encontram-se os gráficos que representam a cobertura agregada dos três jornais impressos estudados (Folha de S. Paulo, O Globo e Estado de S. Paulo) e do Jornal Nacional no que toca as instituições mais importantes no contexto da investigação – Governo Federal, Congresso Nacional, Judiciário Federal, Polícia Federal e Ministério Público – bem como os partidos políticos com maior representação no Senado – PT, PMDB, PSDB e PSB.
            Para tanto, faremos uso de dados e gráficos do retirados do site referentes a manchetes negativas ligadas a partidos políticos nos jornais acima citados. Veja:

(Período de referência: de 03/09 a 19/11 de 2016 nos jornais Folha de S. Paulo, O Globo e Estado de S. Paulo[5])


A figura acima mostra numa escala de 0.0 a 2.0 o número de manchetes que fizeram referência a partidos políticos e a operação Lava Jato. Podemos ver que o Partido dos Trabalhadores (PT) foi apresentado nas capas com valência negativa por um período maior frente aos outros grandes partidos também mencionados. Nota-se que de 24/09 a 08/10 (15 dias) o PT esteve no pico das manchetes com até 2.0 números de capas entre os jornais impressos de maior circulação no país. Em contrapartida, nenhuma outra sigla teve permanecia por mais de um dia nas manchetes. Apenas o PMDB fora citado no pico em dias esporádicos, a saber: 08/10 e 22/10.
            Em âmbito televisivo, o site MANCHETÔMETRO mediu o número de vezes que o Jornal Nacional (JN) apresentou destaques referentes à Lava Jato e partidos políticos. Em uma análise mais ampla do tempo empregado com manchetes negativas aos partidos, o Jornal Nacional da Rede Globo lidera em aplicar rótulos negativos à legenda esquerdista. Veja nográfico a seguir o número de manchetes negativas apresentadas pelo jornal no seu horário nobre da televisão brasileira.


(Período de referência: de JAN/14 a SET/16 no Jornal Nacional da Rede Globo[6])


 Como vimos no gráfico acima, em um período maior de análise das manchetes veiculadas pelo Jornal Nacional desde o início de 2014 a setembro de 2016 as reportagens em destaque sobre a Lava Jato rotularam o PT de modo negativo em diversas ocasiões. Em uma escala de 0 a 80 vezes em número de referências negativas, o JN apresentou uma maior menção ao partido da então presidente Dilma Rousseff.
            O maior pico da ênfase dada ao PT figura em destaque no mês de março de 2016, onde o referido jornal lançou mão de 64 matérias negativas, ou seja, uma proporção de 2,13 manchetes/dia apenas durante o mês em foco.
            Quando a cruzada moral conseguiu uma grande organização dedicada à sua causa ela tem maior probabilidade de sucesso para alcançar seus fins. À medida que a opinião sobre um rotulado passa a ser dominante o empresário moral tem a oportunidade de criar desviantes a partir de sua interpretação.

Portanto, boa parte da atividade de imposição é dedicada não à posição efetiva de regras, mas à imposição de respeito às pessoas com quem o impositor lida. Isso significa que uma pessoa pode ser rotulada de desviante não porque realmente infringiu uma regra, mas porque mostrou desrespeito  pelo impositor da regra. (BECKER, 2008, p.162-163)

Com isso, ao trazermos dados que vinculam o posicionamento de alguns dos representantes dos meios de comunicação nacional e que, de certo, exercem uma influência no pensamento de boa parte da população brasileira, cabe-nos então propor um parâmetro como o pensamento beckeriano do empresário moral.
            Como vimos, o empresário moral faz uso dos diversos meios para se chegar ao seu objetivo e uma vez corroborado pelo segmento midiático, e assim conseguindo um alcance ideológico maior, prega sua ética para a sociedade até que comprem sua ideia e façam prevalecer sua regra para corrigir os que foram considerados desviantes. Certamente, o juiz federal Sérgio Moro, “opera com uma ética absoluta; o que vê é total e verdadeiramente mal sem nenhuma qualificação. Qualquer meio é válido para extirpá-lo. O cruzado é fervoroso e probo, muitas vezes hipócrita”. (BECKER, 2008, p.153)
            Além de utilizar a mídia como fomento de seus projetos e ideais, o juiz da moralidade nacional, faz uso, além dos segmentos políticos e midiáticos, de uma face significativa do povo brasileiro: a moral religiosa. Notadamente, como a maior parte dos brasileiros se declara cristã, seus conceitos permeiam um ideal religioso e consequentemente reverberam em suas posições políticas. Como diz Gusfield: “A mistura do religioso, igualmente humanitário foi uma faceta importante do reformismo moral de muitos movimentos”. (op. cit. BECKER, 2008, p.154).
            Para Becker, o desvio é produto do empreendimento, pois sem o empreendimento necessário não há desvio. Dessa forma, vimos que no âmbito da operação Lava Jato o empreendimento do juiz federal de Curitiba em rotular como desviante o Partido dos Trabalhadores se torna evidente e usual para fins de caracterizar como desviante uma pessoa ou a obra que é aplicada. Daí seu empreendimento em criar regras para poder classificar como desviante o PT.
            A judicialização do cotidiano encontra-se com um discurso cada vez mais carregado de apelos morais e de imagens irracionais cujo objetivo é, não obstante, produzir um código binário: nós/eles; honestos/corruptos; os justos/os “PTralhas”. Seria Moro herói anticorrupção?
Para alguns juristas, algumas práticas do juiz na Lava Jato – como os que veem uso abusivo do mecanismo de prisões preventivas – configuram abuso de autoridade. Em matéria Camilla Costa, da BBC Brasil em Londres ressalta: “Mesmo a seção do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil soltou nota de repúdio às escutas de Lula, na qual diz que o procedimento é ‘típico de estados policiais’” [7].
            O impositor, portanto, não está preocupado em saber se o outro é de fato desviante, mas sentem a necessidade de justificar sua atuação para ganhar o respeito de outros. Sobre os vazamentos à imprensa, por exemplo, o juiz defendeu o seguinte no artigo da CEJ (Centro de Estudos Jurídicos):

A publicidade conferida às investigações teve o efeito salutar de alertar os investigados em potencial sobre o aumento da massa de informações nas mãos dos magistrados, favorecendo novas confissões e colaborações. Mais importante: garantiu o apoio da opinião pública às ações judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas obstruíssem o trabalho dos magistrados, o que, como visto, de fato foi tentado.[8]

No texto, Moro faz referência ao seu raciocínio como justificativa para os vazamentos das ligações que envolveram a presidente Dilma e o ex-presidente Lula. Ao vazar para a mídia que fomentou sua empreitada moral em rotular o PT como desviante, na perspectiva beckeriana, é notável que o interesse em defender seu ideal evidencie o foco de seu trabalho. “Vê [os petistas como] as pessoas que repetem continuamente as transgressões identificando-se claramente aos seus olhos como outsiders (BECKER, 2008, p.162)


(Sérgio Moro em destaque na revista Veja – Retrospectiva 2015 sendo apresentado como salvador do ano e primeira esperança de anticorrupção no Brasil)


[1] Sérgio Fernando Moro (Maringá, 1º de agosto de 1972) é um magistrado, escritor e professor universitário brasileiro. É juiz federal da 4ª Região e professor de direito processual penal da Universidade Federal do Paraná.
[2] Howard Becker os chama também de “empreendedores morais” ou “reformadores cruzados”. São aqueles sujeitos que procuram impor a sua moral aos outros pensando que assim lhes farão bem, sem nunca se questionarem sobre a vontade ou necessidade dos outros de incorporarem o sentido moralizante das suas regras, ou seja, desde uma perspectiva superior dirigida a seres inferiores.
[3] Veja Anexos
[4] Cf. (BECKER, 2008, p. 158)
[5] Disponível em: http://www.manchetometro.com.br/cobertura-2015/cobertura-2015-operacao-lava-jato áá acesso em: 23/11/16ññ
[6] Disponível em: http://www.manchetometro.com.br/cobertura-2015/cobertura-2015-operacao-lava-jato áá acesso em: 23/11/16ññ
[7] Cf.: Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/03/160317_sergio_moro_ru jato áá acesso em: 23/11/16ññ
[8] Idem.

domingo, 29 de maio de 2016

Hey Mãe! A Juventude e os seus Gigantes

Pierre Félix Bourdieu , sociólogo francês
 (1930-2002)
          A juventude é um tema amplamente discutido entre os sociólogos e toda a sociedade por considerá-lo parte integrante do processo de desenvolvimento social.
            Observada, não apenas por estudiosos em seus artigos científicos, mas também retratada no meio artístico em suas mais diversas formas, como por exemplo, a música, a banda nacional Engenheiros do Havaí em uma de suas composições trouxe nos anos 80 a imagem de uma juventude em busca de seu espaço numa sociedade de gigantes patriarcal.
            Formada por jovens, os Engenheiros cantam para a juventude. Em um excerto onde se lê: “A juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes” podemos perceber como a juventude dos anos 80 estava se estruturando na terra dos adultos. Afinal, o conceito de juventude é relativamente novo se compararmos o decurso de nossa história, começando, apenas, a ter sua formação a partir dos anos 1950 com o fortalecimento da economia mundial no pós-guerra.
            Segundo o sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002), o conceito de juventude é um dado biológico manipulado e manipulável socialmente, isto é, mesmo que a idade biológica de um indivíduo o coloque como jovem, a sociedade na qual ele está inserido poderá mantê-lo ou conduzi-lo à fase adulta de acordo com suas convenções econômicas. Numa sociedade economicamente elevada os adultos conseguem suprir as necessidades de sua juventude sem que estes sejam obrigados a trabalhar e manter por mais tempo o jovem eu seu estado de preparação, ou seja, na escola; buscando manter a reprodução do sistema econômico dos adultos preparando-os para os mais altos cargos de trabalho.
            Ao analisarmos a letra proposta, acima citada, podemos perceber como a juventude fora retratada na sociedade. O título da canção “Terra de Gigantes” nos faz evocar o olhar que Bourdieu lança sobre o conceito de juventude. Ao mencionar uma terra de gigantes a banda gaúcha coloca a juventude frente ao mundo dos adultos, ou seja, dos gigantes que possuem o poder social. Com isso, ao rotular a juventude como “banda numa propaganda de refrigerantes” o rock nacional dos Engenheiros do Havaí expõe uma juventude manipulada pelo poder econômico dos adultos.
            O uso da imagem do refrigerante quer alcançar essa parte da nossa sociedade, visto que é um produto largamente comercializado entre os jovens. Afinal, os adultos querem manter os jovens como jovens pelo maior tempo possível para que estes não lhes tomem o poder social muito cedo. O trinômio “banda-propaganda-refrigerante” quer garantir ao jovem o seu espaço de juventude enquanto os gigantes comandam a sociedade.
            Assim, podemos dizer de maneira simples, mas sem finalizar o debate sobre o tema, que a juventude cantada pelos gaúchos dos Engenheiros do Havaí denota uma luta de poder entre bandas e gigantes, entre jovens e adultos, onde cada um procura ser reconhecido socialmente.

            “Hey mãe! / Eu tenho uma guitarra elétrica / Durante muito tempo isso foi tudo / Que eu queria ter”.  Nossa juventude busca seu reconhecimento, algo que ficou pra trás, e que luta para se colocar como indivíduo ativo na sociedade.


terça-feira, 24 de maio de 2016

A ascese protestante e o capitalismo moderno


Max Weber (1864-1920)
            Considerado um dos clássicos da sociologia, o alemão Max Weber (1864-1920) teve em sua trajetória intelectual o reconhecimento de grande parte de seu trabalho como pensador do estudo do capitalismo ao analisar o processo de racionalização chamado “desencantamento do mundo” frente o protestantismo e a economia.
            Em sua obra A Ética protestante e o Espírito do Capitalismo – texto considerado o mais conhecido do autor – Weber lança o seu olhar para as relações entre o capitalismo e o protestantismo calvinista na construção da nova sociedade puritana na Europa de sua época.
            Para Weber, a religião possui um aspecto fundamentalmente importante no desenvolvimento da sociedade. Reconhece também que a disciplina e a pregação dos lideres cristãos exerce influência na vida individual das pessoas e em toda nossa sociedade. Em discussão com o puritanismo calvinista ele observa a ideia de vocação em contraposição à ascese católica da Idade Média que via a riqueza em si como um sério perigo para a santificação. Os protestantes calvinistas ingleses não viam obstáculos na riqueza do clero; antes, um aumento da sua reputação mediante aplicação de juros em seus negócios visando o lucro.
            Segundo ética protestante o trabalho ganha uma significativa ênfase no combate ao ócio improdutivo “Pois o ‘eterno descanso da santidade’ encontra-se no outro mundo; na Terra o Homem deve, para estar seguro de seu estado de graça, ‘trabalhar o dia todo em favor do que lhe foi destinado’” (Weber). Assim, perder tempo significa, agora, o principal pecado. A sentença “Time is Money” de Franklin passa a ser observada em um sentido espiritual, onde toda hora perdida redunda na perda da glorificação de Deus. O trabalho constitui, antes de tudo, a finalidade da vida, pois, conforme a expressão paulina “quem não trabalha não deve comer” e isso vale para todos, ricos e pobres.
            Outro aspecto da ascese protestante é o fomento das especializações dos trabalhos individuais gerando uma melhoria tanto quantitativa quanto qualitativa. O trabalhador especializado efetuará seu ofício ordenadamente. Sua vida profissional é sinônima de seu estado de graça. Não é a santificação de um povo, uma comunidade, mas a Graça divina no indivíduo moralmente aceita como vocação para o trabalho pedida por Deus. O self-made man ou empreendedor autônomo é a demonstração da aprovação ética. Deus abençoa os negócios para aqueles homens que aproveitam as oportunidades divinas. A utilidade de uma vocação é orientada por critérios morais, pelos bens e principalmente pela lucratividade.
O Quaker era um grupo religioso
entre os puritanos
            A atitude do puritanismo em sua crença de ser tido como povo escolhido por Deus caracteriza os representantes dessa nova ética emergente da burguesia saída após o período medieval dos nobres ociosos sentados em seus tronos e cátedras de luxo.  Os novos protestantes representam uma época heroica do funcionalismo racional do capitalismo urbano focado nos lucros dos pequenos empreendedores individuais.
            Essa busca pela lucratividade corroborada pela crença religiosa trouxe um acúmulo de bens nas sociedades protestantes, mas também uma perda significativa nas artes, afinal o puritanismo tinha um ódio feroz contra tudo que cheirasse a superstição mágica e festividades com símbolos religiosos, como por exemplo, árvore de Natal e pinturas artísticas nos templos. Essa característica tendência para a uniformidade da vida contribui para a padronização capitalista visando o uso racional e utilitário da riqueza.  Ostentar o luxo na vida religiosa e ceder à idolatria da carne.

Mas, o que era ainda mais importante: a avaliação religiosa do   infatigável, constante e sistemático labor vocacional secular como o mais alto instrumento de ascese, e, ao mesmo tempo, como o mais seguro meio de preservação da redenção da fé e do homem, deve ter sido presumivelmente a mais poderosa alavanca da expressão dessa concepção de vida, que aqui apontamos como “espírito” do capitalismo. (Weber)


            Esse estilo de vida favoreceu o estabelecimento de uma vida econômica racional tendo sido o berço do moderno “homem econômico”.  A conduta racional baseada na ideia de vocação torna-se o elemento fundamental para a compreensão da ética protestante e o espírito do capitalismo, pois a ação do indivíduo, sendo ela religiosa ou não reverbera na transformação da sociedade. Neste caso, podemos dizer que há um “desencantamento do mundo”, onde a arte e a mágica das curas dá espaço para os homens agraciados pelo labor e seu desenvolvimento cultural como “especialistas sem espírito, sensualistas sem coração” para elevar o crescimento racional e econômico do indivíduo e sua sociedade.

Puritanos


terça-feira, 3 de maio de 2016

A sociedade tem precedência sobre o indivíduo?


            Para que a sociologia se estabelecesse como ciência autônoma e se apresentasse com tal seria necessário possuir um objeto próprio de estudo. Um dos seus principais nomes foi o francês Émile Durkheim (1858-1917) evocado entre os clássicos da sociologia. Para Durkheim é necessário buscar um método de estudo para se compreender a sociedade e os seus fatos sociais.
            Em sua obra As regras do método sociológico (1895) ele capitula: o que é o fato social? Tal conceito, antes de tudo, está posto como uma das principais ideias do autor ao analisar a sociedade. Durkheim diz: “(...) não há por assim dizer acontecimentos humanos que não possam ser chamados sociais.”
            O binômio sociedade-indivíduo, em Durkheim, passa para além de uma altercação sociológica, ele denota uma precedência de um sobre o outro. Por ser o fato social algo que está dado na sociedade, ou seja, exterior ao ser humano, tal processo de sociabilidade é sempre forte sobre a individualidade. O primeiro momento fundamental para se perceber que existe uma precedência de um sobre o outro é tratar o fato social como coisa a ser observada. Perceberemos que a sociedade tem precedência sobre o individuo. Desse modo, temos a certeza que o fato social está posto fora do indivíduo e que pode ser objeto de estudo da ciência.
            A partir de um fato social pode se estudar toda uma sociedade, visto que os pressupostos da Exterioridade (onde o fenômeno existe de forma independente e particular); da Coercitividade (onde há uma imposição de algo que impele o indivíduo de determinada forma) e da Generalidade (onde um fato social pode cobrir uma sociedade inteira) constroem, com o conceito basilar de sua obra, a precedência da sociedade em relação ao indivíduo.

            Assim, para Durkheim, o fato social, imprime de toda maneira, dado a sua existência própria, a independência e precedência às manifestações individuais.

domingo, 8 de junho de 2014

Unidade da Igreja e diversidade religiosa


Durante a semana que antecede a Festa de Pentecostes segundo calendário litúrgico católico temos a Semana de oração pela unidade dos cristãos, com a intenção de orar, rezar, mentalizar sobre a unidade de paz e prosperidade entre as comunidades religiosas cristãs do mundo inteiro.
No entanto, vimos por esses dias uma enorme contradição entre os adeptos deste grupo que apregoa a paz conforme os ensinamentos evangélicos. No interior da Paraíba, só para exemplificarmos, vimos que um líder cristão – justamente nos dias que antecederam a Solenidade da vinda do Espírito Santo – incitou um grupo de religiosos de sua denominação a utilizarem crianças para a disseminação do preconceito sob a forma de violência contra símbolos religiosos do cristianismo católico demonizando-os e fomentando a barbárie em defesa de sua interpretação bíblica.

Os esforços para uma cultura de paz nos parecem cada vez mais distantes quando vemos tais práticas no seio cristão. Porém, nada há quem nos separe do amor de Deus, conforme nos indica Paulo em sua encíclica aos romanos: “Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação? A angústia? A perseguição? A fome? A nudez? O perigo? A espada? (Rm 8, 35). Por isso, somos convidados a meditar mais profundamente na ação do Espírito Santo na vida das nossas comunidades cristãs eclesiais; e encontrar um meio de coabitar de maneira mais eclesiogênica, isto é, nascida na unidade.


É a unidade da Igreja, querida – alvejada – por Jesus em sua oração sacerdotal (cf. Jo 17), que nos faz pensar acerca de nossas atitudes frente aos irmãos que professam credo diferente do nosso. Estamos sendo “UM” para que o mundo creia? Será que devemos tolerar o outro? Não creio! Digo, não devemos tolerar, todavia, suportar, ou seja, dar suporte ao outro para que cresçamos na unidade.

Quando dizemos que alguém tem prática diferente da nossa, logo dizemos que “fulano não fala a nossa língua”, isto é, não nos entendemos, não importando o quanto se discurse sobre isso. Tal incompreensão do outro está contida no simbolismo das línguas descrito no Gênesis, ao passo que, as línguas presentes nos Atos denotam característica inversamente proporcional. Naquele ninguém se entendia, mas neste “Como é que cada um de nós os ouve em sua própria língua materna?” (At 2, 8). O milagre possivelmente está nos ouvintes que se abriram para acolher a mensagem de unidade ofertada pelos apóstolos naquele quinquagésimo dia após vigílias de oração. O fogo que viera sob os que permaneceram unidos em oração se apresenta como que formas de línguas.


O fogo toma esta forma talvez para significar esta nova visão das línguas que tem a finalidade de unir os homens numa mesma fé e não de os separar com aquela divisão das línguas ( cf. Gn 11, 1-9).

De fato, “existem dons diferentes, mas o Espírito é o mesmo” (1 Cor 12, 4); Pertence à essência da vida da Igreja haver sempre, diversidade de dons espirituais (carismas), ministérios e operações. Toda esta diversidade e variedade de dons procede da unidade divina e concorre para que a unidade da Igreja – um só Corpo – seja mais rica. E é nesse espírito que devemos auscultar em nossos corações e, assim, guardar a mensagem que somos diferentes, mas um só é o espírito de caridade, de luz, de sabedoria e entendimento, frente à diversidade religiosa, que nos fomenta à unidade própria da Eclésia em seu impulso inicial dado em Pentecostes – hoje.