domingo, 8 de junho de 2014

Unidade da Igreja e diversidade religiosa


Durante a semana que antecede a Festa de Pentecostes segundo calendário litúrgico católico temos a Semana de oração pela unidade dos cristãos, com a intenção de orar, rezar, mentalizar sobre a unidade de paz e prosperidade entre as comunidades religiosas cristãs do mundo inteiro.
No entanto, vimos por esses dias uma enorme contradição entre os adeptos deste grupo que apregoa a paz conforme os ensinamentos evangélicos. No interior da Paraíba, só para exemplificarmos, vimos que um líder cristão – justamente nos dias que antecederam a Solenidade da vinda do Espírito Santo – incitou um grupo de religiosos de sua denominação a utilizarem crianças para a disseminação do preconceito sob a forma de violência contra símbolos religiosos do cristianismo católico demonizando-os e fomentando a barbárie em defesa de sua interpretação bíblica.

Os esforços para uma cultura de paz nos parecem cada vez mais distantes quando vemos tais práticas no seio cristão. Porém, nada há quem nos separe do amor de Deus, conforme nos indica Paulo em sua encíclica aos romanos: “Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação? A angústia? A perseguição? A fome? A nudez? O perigo? A espada? (Rm 8, 35). Por isso, somos convidados a meditar mais profundamente na ação do Espírito Santo na vida das nossas comunidades cristãs eclesiais; e encontrar um meio de coabitar de maneira mais eclesiogênica, isto é, nascida na unidade.


É a unidade da Igreja, querida – alvejada – por Jesus em sua oração sacerdotal (cf. Jo 17), que nos faz pensar acerca de nossas atitudes frente aos irmãos que professam credo diferente do nosso. Estamos sendo “UM” para que o mundo creia? Será que devemos tolerar o outro? Não creio! Digo, não devemos tolerar, todavia, suportar, ou seja, dar suporte ao outro para que cresçamos na unidade.

Quando dizemos que alguém tem prática diferente da nossa, logo dizemos que “fulano não fala a nossa língua”, isto é, não nos entendemos, não importando o quanto se discurse sobre isso. Tal incompreensão do outro está contida no simbolismo das línguas descrito no Gênesis, ao passo que, as línguas presentes nos Atos denotam característica inversamente proporcional. Naquele ninguém se entendia, mas neste “Como é que cada um de nós os ouve em sua própria língua materna?” (At 2, 8). O milagre possivelmente está nos ouvintes que se abriram para acolher a mensagem de unidade ofertada pelos apóstolos naquele quinquagésimo dia após vigílias de oração. O fogo que viera sob os que permaneceram unidos em oração se apresenta como que formas de línguas.


O fogo toma esta forma talvez para significar esta nova visão das línguas que tem a finalidade de unir os homens numa mesma fé e não de os separar com aquela divisão das línguas ( cf. Gn 11, 1-9).

De fato, “existem dons diferentes, mas o Espírito é o mesmo” (1 Cor 12, 4); Pertence à essência da vida da Igreja haver sempre, diversidade de dons espirituais (carismas), ministérios e operações. Toda esta diversidade e variedade de dons procede da unidade divina e concorre para que a unidade da Igreja – um só Corpo – seja mais rica. E é nesse espírito que devemos auscultar em nossos corações e, assim, guardar a mensagem que somos diferentes, mas um só é o espírito de caridade, de luz, de sabedoria e entendimento, frente à diversidade religiosa, que nos fomenta à unidade própria da Eclésia em seu impulso inicial dado em Pentecostes – hoje.

sábado, 7 de junho de 2014

Tá lá o corpo estendido no chão


Muitos de nós, talvez, estamos tão cheios de nossas preocupações ou distrações que não nos apercebemos ao meio de nossa convivência humana.
Uma das circunstâncias que chama a nossa atenção está ligada diretamente à noção de segurança que temos em nosso país de um modo geral. Mas não faço aqui uma alusão tão somente aos níveis de criminalidade, postos inclusive entre os maiores do mundo em questão de homicídios, dos quais três das nossas cidades figuram no ranque, nada privilegiado, das dez mais do mundo, segundo recente pesquisa da ONU.
A violência contra a vida está marcante em nosso país. Conforme a definição de homicídio, encontrada em dicionários linguísticos de nossa pátria, podemos até imaginar como esta questão vem sendo tratada; porém, não por sua definição em si, ou seja, a morte de uma pessoa praticada por outrem, mas no modo como a tratamos no decorrer dos anos.
A violência contra a vida humana tanto se nos apresenta ao ponto de parecer que nós nos acostumamos com ela – num certo sentido. Passamos do medo da barbárie ao silêncio do nosso egoísmo. Só percebemos que este exercício da brutalidade está bem perto de nós quando vemos cair aos nossos pés um ente querido, um irmão. Fora isso não se dá importância a tantos outros que caem todos os dias nas ruas de nossas cidades. Pais e mães, tios, irmãos sofrem a cada dia com a perda de um dos seus para a criminalidade.
O fratricídio cometido por Caim
Muitos há quem se pergunte: “Mas esse problema é meu?” Depende do ponto de vista que você tem da vida e dos outros...
João Bosco, músico popular brasileiro, num excerto de sua obra diz como tantos de nós vemos o nosso semelhante, vide: Tá lá o corpo/ estendido no chão / em vez de rosto uma foto / de um gol/ em vez de reza / uma praga de alguém / e um silêncio / servindo de amém.
Então, o que nos torna tão egoístas ao ponto de silenciarmos frente à dor de outrem? Quem sabe se não podemos tratar o sofrimento daquele como alguém mais próximo de nós, ou seja, tratá-los como irmão – frater, em latim. E é aqui que queremos indicar como as nossas relações de alteridade poderiam ser estabelecidas. Ao invés de tratar o abatido como mais um homicídio na conta do governo, e até praguejar sobre seu corpo ferido, o tratássemos como a um irmão.
Não obstante, o fato de o termo ser comumente usual entre os cristãos, este evoca a posição exigente de atenção para com o outro, o tornando mais próximo. Talvez soe mais urgente se tomarmos aquele substantivo referido ao crime contra a vida, por fratricídio do contíguo.
Não queremos, pois, pregar uma doutrina religiosa, mas tão só um modo de ver o outro na possibilidade de causar em nós um insight de que eles, os abatidos pela violência, são desse modo, nosso próximo, nosso irmão.
Não fechemos nossa janela de frente pro crime!

Tá lá o corpo estendido no chão... O que fazer agora com o nosso irmão? Sermos indiferentes? Não diga amém com seu silêncio.

domingo, 1 de junho de 2014

A sentença nietzschiana: Deus está morto (PARTE 2)

Certamente é por isso que o louco é mal compreendido, mesmo por aqueles que não creem em Deus; e de forma alguma tiram disto as conseqüências que o ateísmo traz e, preferem assim, continuar a viver como se a notícia da “morte de Deus” não se lhes tivessem chegado aos ouvidos, a nós. “Eu venho cedo demais”, disse então, “não é ainda meu tempo. Esse acontecimento enorme está a caminho, ainda anda: não chegou ainda aos ouvidos dos homens” (NIETZSCHE). A esta sentença devastadora, o mundo supra-sensível fica sem força de atuação. Se “Deus está morto”, então não resta mais nada em que o homem possa se apoiar e a que ele possa se direcionar. Com a consciência de que Deus está morto o niilista inicia seu ponto basilar para uma transvaloração radical dos valores supremos que se vivenciou até aqui.

Se Deus está morto enquanto o fundamento supra-sensível e     enquanto a meta de todo real, se o mundo supra-sensível das ideias perdeu sua força imperativa e antes de tudo sua força evocadora e construtora, então não resta mais nada, junto a quem o homem possa  se manter e em direção a que ele possa se direcionar (HEIDEGGER).
Martin Heidegger,
filósofo alemão

Portanto, com essa leitura de Heidegger, vemos que o “Deus está morto” de Nietzsche é intrínseco ao modo de compreensão do niilismo dada pelo próprio filósofo. À busca infrutífera daquele que gritava: “Procuro Deus! Procuro Deus!”, seguida da incompreensão dos homens, oferecem-nos a interpretação  na qual o acontecimento histórico em que a derrocada de  Deus e o aparecimento do niilismo é um fato que se chagara prematuramente. Conseqüentemente, a morte de Deus é um fato que ainda está acontecendo a nós.
 Há, contudo, duas maneiras de ateísmo – provavelmente encontradas pelo louco do aforismo 125: uma delas é o não crer em Deus, a outra, crer que ele não existe. Essas duas maneiras de ateísmo podem ser confirmadas no pensamento de André Comte-Sponville (1952) em seu Dicionário Filosófico. Segundo este, no primeiro caso, temos uma ausência de crença (ausência de Deus) que ele define como “ateísmo negativo”; já no segundo caso, temos uma crença numa ausência (negação de Deus), posição que o filósofo classifica de “ateísmo positivo”, ou mesmo “militante”. Nietzsche, porém, proclama que ele morreu: nós o matamos – vocês e eu. A “morte de Deus” é expressão máxima do ateísmo niilista por Nietzsche, visto que sem o qual, não poderá haver “a transmutação de todos os valores” – um niilismo.

               
Nietzsche previu grandes marasmos em seu século e até hoje, um grande declínio, após o desatar a terra de seu sol metafísico, até então considerado o pólo a ser atingido; como também a derrocada dos valores platônicos e cristãos no apagar o horizonte. Com isso, coloca-se o homem perto do nada, vitimado pelo niilismo. Os valores ora cultuados durante séculos desabaram, haja vista a notícia da morte de Deus. O mundo soava oco e a absurdo. Assim, Nietzsche antevê a terríveis conseqüências, os grandes cataclismos e desabamentos, que se seguiram à “morte de Deus”:


O maior acontecimento recente – o fato de que “Deus está morto”, de que a crença no Deus cristão perdeu o crédito – já começa a lançar suas primeiras sombras sobre a Europa. [...] Essa longa e abundante seqüência de ruptura, declínio, destruição, cataclismo, que agora é iminente: quem poderia hoje adivinhar o bastante acerca dela para ter de servir de professor e prenunciador de uma tremenda lógica de horrores, de profeta de um eclipse e ensombrecimento solar, tal como provavelmente jamais houve na Terra?... (NIETZSCHE).

É, pois, este, o ponto culminante no processo de dessacralização dos ideais ascéticos, da descritianização do ocidente, isto é, o maior acontecimento recente  – o fato de que “Deus está morto”. Portanto, ao pregar este necessário assassinato, a saber, “a morte de Deus” Nietzsche defende que, só a partir disto, é que os homens se libertarão dos ideais quiméricos. É, portanto, esse acontecimento que vem trazer para nós, a maturidade e o deslocamento do eixo interpretativo de toda vontade de verdade para a vontade de potência e nada mais. É o fim do fundamento ontológico das coisas, condicionando um ateísmo plenificado, pois Deus está morto – eis o grande acontecimento!

Conquanto Nietzsche compreende em seu próprio pensamento que a doutrina da vontade de poder principia, portanto, “uma nova instauração de valores”, no sentido de um niilismo plenificado – consumado. A vontade de poder transforma-se em origem e medida de uma nova valoração. Portanto, o tomar consciência de que “Deus está morto” é passo impreterível para a radical transvaloração dos valores supremos até aqui.
O derradeiro passo após a instauração de uma consciência de transvaloração é, senão, uma nova história mais elevada em que o princípio de toda avaliação é levada a termo na Vontade de Poder, pois, “o niilismo ‘da desvaloração dos valores supremos’ [do ateísmo até aqui vigente] foi superado” (HEIDEGGER). Com isso, a humanidade quer o seu próprio ser-humano visto a partir da Vontade de Poder. Um homem que se configure enquanto pertencente à sua vontade mesma – que se projete para além do homem até aqui visto. Decerto, ele virá, o homem redentor – do grande amor e do grande desprezo – e nos impulsionará a transcender toda a nossa insignificância.


Esse homem do futuro, que nos salvará não só do ideal vigente, como daquilo que dele forçosamente nasceria, do grande nojo, da vontade de nada, do niilismo, esse toque de sino do meio-dia e da grande decisão, que torna novamente livre a vontade, que devolve à terra sua finalidade e ao homem sua esperança, esse anticistão e antiniilista, esse vencedor de Deus e do nada – ele tem que vir um dia...
 – Mas que estou eu a dizer? Basta! Basta! Nesse ponto não devo senão calar: caso contrário estaria me arrogando o que somente a um mais jovem se consente, a um “mais futuro”, um mais forte do que eu – o que tão-só a Zaratustra se consente, a Zaratustra, o ateu... (NIETZSCHE)
Nietzsche fala o Zaratustra