Com certa regularidade vemos, nos mais
diversos meios de comunicação social, notícias sobre a atual conjuntura ética
da política brasileira. Protagonizam os mais diferentes agentes da sociedade
com suas ponderações políticas e jurídicas, nas diferentes instâncias de poder,
um embate de interesses nos quais a maior parte da população, se não acompanha,
ao menos compartilha em suas redes sociais as notícias de maior relevância para
corroborar suas posições nesse ínterim de purificação moral.
Certamente, mesmo os que não acompanham o
dia-a-dia da política nacional já se depararam com o termo “Lava-Jato”
empregado nas notícias que envolvem representantes do povo e nomes ligados a
empresas de grande poder econômico.
Em
destaque surgem algumas figuras nesse panteão de agentes da moralidade que
procuram um “bode expiatório” para, assim, purgar a sociedade do mal da
corrupção. De certo, dentre estes o mais emblemático e atuante na “Operação
Lava Jato” é o juiz federal Sérgio Moro[1]
que ganhou notoriedade frente às classes mais conservadoras do país no tocante
a posições políticas e valores morais que majoritariamente são integrantes das
classes médias e alta brasileiras.
Para
corroborar a imagem de “empresário moral”[2] o
juiz Sérgio Moro é apresentado pela chamada “grande mídia nacional”, com
destaque, em suas ponderações e juízos no âmbito da Lava Jato muitas vezes como
herói nacional[3].
Então, para procurarmos entender essa posição de empresário moral se faz
necessário tomarmos as reflexões do cientista social norte-americano Howard
Becker (nascido em abril de 1928) em sua obra Outsiders de 1963 em que desenvolve sua abordagem sobre a
sociologia do desvio.
Ora,
ao falarmos de desvio ou mesmo desviante, provavelmente, seremos levados a ver
a imagem de um infrator das regras sociais.
É um fato interessante que a
maior parte da pesquisa e da especulação científica
sobre o desvio diga respeito às pessoas que infringem regras, não àquelas que criam e impõem. [...] Cumpre
ver o desvio, e os outsiders que personificam
a concepção abstrata, como uma consequência de um processo de interação entre pessoas, algumas das
quais, a serviço de seus próprios interesses,
fazem e impõem regras que apanham outras – que, a serviço de seus próprios interesses, cometeram atos
rotulados de desviantes. (BECKER, 2008,
p. 167-168).
Sendo assim, a partir dessa perspectiva
beckeriana, onde o conceito de desvio não seja remetido, em sua análise
sociológica, apenas àqueles que possuem o rótulo de outsiders, mas também àqueles que os produzem, ou seja, os
empreendedores morais. Porquanto é mister tomarmos aqui a atuação do juiz Sérgio
Moro na operação Lava-Jato que apresenta um bom exemplo do "empresário
moral" descrito por Howard Becker no seu livro outsiders.
Nota-se
que, em âmbito midiático, o juiz federal que tomou para si as rédeas da
operação Lava Jato, vem numa empreitada moral para rotular de corruptos aqueles
que estão ou estiveram envolvidos com entidades governamentais e grandes
empresas privadas.
Essa
cruzada moral elegeu, por assim dizer o seu Graal, no qual todo seu tempo,
energia e paixão estão encerrados. E, caso o juiz da 13ª
vara federal de Curitiba, alcance o seu Santo Graal, o que será da operação
Lava Jato? Ele perde sua ocupação, pois o que começou com um empreendimento
moral, passou a ser seu trabalho de tempo integral.[1] Portanto,
cabe ao empresário moral estabelecer o que deve ser considerado desvio e a quem
deva ser rotulado. Sua ocupação passa ser sua preocupação e este fará uso dos
mais diversos recursos para ter sucesso em seu empreendimento.
A utilização da opinião pública, por exemplo,
será estimulada através dos meios de comunicação em massa como jornais impresso
e televisivo. O site MANCHETÔMETRO
(www.manchetometro.com.br) especializado em comparar manchetes dos mais
influentes meios de comunicação nacional, analisou as principais siglas
partidárias ora mencionadas nas principais capas de jornais impressos e
destaques de jornais televisivos no contexto da Lava Jato.
Nesta
página encontram-se os gráficos que representam a cobertura agregada dos três
jornais impressos estudados (Folha de S. Paulo, O Globo e Estado de S. Paulo) e
do Jornal Nacional no que toca as instituições mais importantes no contexto da
investigação – Governo Federal, Congresso Nacional, Judiciário Federal, Polícia
Federal e Ministério Público – bem como os partidos políticos com maior
representação no Senado – PT, PMDB, PSDB e PSB.
Para
tanto, faremos uso de dados e gráficos do retirados do site referentes a manchetes negativas ligadas a partidos políticos
nos jornais acima citados. Veja:
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(Período de referência: de 03/09 a 19/11 de 2016 nos
jornais Folha de S. Paulo, O Globo e Estado de S. Paulo[5])
A figura acima mostra numa escala de 0.0
a 2.0 o número de manchetes que fizeram referência a partidos políticos e a
operação Lava Jato. Podemos ver que o Partido dos Trabalhadores (PT) foi
apresentado nas capas com valência negativa por um período maior frente aos
outros grandes partidos também mencionados. Nota-se que de 24/09 a 08/10 (15
dias) o PT esteve no pico das manchetes com até 2.0 números de capas entre os
jornais impressos de maior circulação no país. Em contrapartida, nenhuma outra
sigla teve permanecia por mais de um dia nas manchetes. Apenas o PMDB fora
citado no pico em dias esporádicos, a saber: 08/10 e 22/10.
Em âmbito televisivo, o site MANCHETÔMETRO mediu o número de
vezes que o Jornal Nacional (JN) apresentou destaques referentes à Lava Jato e
partidos políticos. Em uma análise mais ampla do tempo empregado com manchetes
negativas aos partidos, o Jornal Nacional da Rede Globo lidera em aplicar rótulos
negativos à legenda esquerdista. Veja nográfico a seguir o número de manchetes
negativas apresentadas pelo jornal no seu horário nobre da televisão
brasileira.
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![]() |
(Período de referência: de JAN/14 a
SET/16 no Jornal Nacional da Rede Globo[6])
|
O
maior pico da ênfase dada ao PT figura em destaque no mês de março de 2016,
onde o referido jornal lançou mão de 64 matérias negativas, ou seja, uma
proporção de 2,13 manchetes/dia apenas durante o mês em foco.
Quando
a cruzada moral conseguiu uma grande organização dedicada à sua causa ela tem
maior probabilidade de sucesso para alcançar seus fins. À medida que a opinião
sobre um rotulado passa a ser dominante o empresário moral tem a oportunidade
de criar desviantes a partir de sua interpretação.
Portanto,
boa parte da atividade de imposição é dedicada não à posição efetiva de regras, mas à imposição de
respeito às pessoas com quem o impositor
lida. Isso significa que uma pessoa pode ser rotulada de desviante não porque realmente infringiu uma
regra, mas porque mostrou desrespeito pelo
impositor da regra. (BECKER, 2008, p.162-163)
Com isso, ao trazermos dados que
vinculam o posicionamento de alguns dos representantes dos meios de comunicação
nacional e que, de certo, exercem uma influência no pensamento de boa parte da
população brasileira, cabe-nos então propor um parâmetro como o pensamento
beckeriano do empresário moral.
Como
vimos, o empresário moral faz uso dos diversos meios para se chegar ao seu
objetivo e uma vez corroborado pelo segmento midiático, e assim conseguindo um
alcance ideológico maior, prega sua ética para a sociedade até que comprem sua
ideia e façam prevalecer sua regra para corrigir os que foram considerados
desviantes. Certamente, o juiz federal Sérgio Moro, “opera com uma ética
absoluta; o que vê é total e verdadeiramente mal sem nenhuma qualificação.
Qualquer meio é válido para extirpá-lo. O cruzado é fervoroso e probo, muitas
vezes hipócrita”. (BECKER, 2008, p.153)
Além de utilizar a mídia como
fomento de seus projetos e ideais, o juiz da moralidade nacional, faz uso, além
dos segmentos políticos e midiáticos, de uma face significativa do povo
brasileiro: a moral religiosa. Notadamente, como a maior parte dos brasileiros
se declara cristã, seus conceitos permeiam um ideal religioso e
consequentemente reverberam em suas posições políticas. Como diz Gusfield: “A
mistura do religioso, igualmente humanitário foi uma faceta importante do
reformismo moral de muitos movimentos”. (op.
cit.
BECKER, 2008, p.154).
Para
Becker, o desvio é produto do empreendimento, pois sem o empreendimento
necessário não há desvio. Dessa forma, vimos que no âmbito da operação Lava
Jato o empreendimento do juiz federal de Curitiba em rotular como desviante o
Partido dos Trabalhadores se torna evidente e usual para fins de caracterizar
como desviante uma pessoa ou a obra que é aplicada. Daí seu empreendimento em
criar regras para poder classificar como desviante o PT.
A judicialização do cotidiano encontra-se
com um discurso cada vez mais carregado de apelos morais e de imagens
irracionais cujo objetivo é, não obstante, produzir um código binário:
nós/eles; honestos/corruptos; os justos/os “PTralhas”. Seria Moro herói
anticorrupção?
Para alguns juristas, algumas práticas do juiz na
Lava Jato – como os que veem uso abusivo do mecanismo de prisões preventivas –
configuram abuso de autoridade. Em matéria Camilla Costa, da BBC Brasil em
Londres ressalta: “Mesmo a seção do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do
Brasil soltou nota de repúdio às escutas de Lula, na qual diz que o
procedimento é ‘típico de estados policiais’” [7].
O
impositor, portanto, não está preocupado em saber se o outro é de fato
desviante, mas sentem a necessidade de justificar sua atuação para ganhar o
respeito de outros. Sobre os vazamentos à imprensa, por exemplo, o juiz
defendeu o seguinte no artigo da CEJ (Centro de Estudos Jurídicos):
A
publicidade conferida às investigações teve o efeito salutar de alertar os investigados em potencial sobre o aumento da
massa de informações nas mãos
dos magistrados, favorecendo novas confissões e colaborações. Mais importante:
garantiu o apoio da opinião pública às ações judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas obstruíssem
o trabalho dos magistrados, o que,
como visto, de fato foi tentado.[8]
No texto, Moro faz referência ao seu
raciocínio como justificativa para os vazamentos das ligações que envolveram a
presidente Dilma e o ex-presidente Lula. Ao vazar para a mídia que fomentou sua
empreitada moral em rotular o PT como desviante, na perspectiva beckeriana, é
notável que o interesse em defender seu ideal evidencie o foco de seu trabalho.
“Vê [os petistas como] as pessoas que repetem continuamente as transgressões
identificando-se claramente aos seus olhos como outsiders (BECKER,
2008, p.162)
![]() |
(Sérgio Moro em
destaque na revista Veja – Retrospectiva 2015 sendo apresentado como salvador
do ano e primeira esperança de anticorrupção no Brasil)
|
[1]
Sérgio Fernando Moro
(Maringá, 1º de agosto de 1972) é um magistrado, escritor e professor universitário
brasileiro. É juiz federal da 4ª Região e professor de direito processual penal
da Universidade Federal do Paraná.
[2]
Howard Becker os chama
também de “empreendedores morais” ou “reformadores cruzados”. São aqueles
sujeitos que procuram impor a sua moral aos outros pensando que assim lhes
farão bem, sem nunca se questionarem sobre a vontade ou necessidade dos outros
de incorporarem o sentido moralizante das suas regras, ou seja, desde uma
perspectiva superior dirigida a seres inferiores.
[3] Veja Anexos
[4] Cf. (BECKER, 2008, p. 158)
[5] Disponível em: http://www.manchetometro.com.br/cobertura-2015/cobertura-2015-operacao-lava-jato áá acesso em: 23/11/16ññ
[6] Disponível em: http://www.manchetometro.com.br/cobertura-2015/cobertura-2015-operacao-lava-jato áá acesso em: 23/11/16ññ
[7] Cf.: Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/03/160317_sergio_moro_ru jato áá acesso em: 23/11/16ññ
[8] Idem.









