domingo, 29 de maio de 2016

Hey Mãe! A Juventude e os seus Gigantes

Pierre Félix Bourdieu , sociólogo francês
 (1930-2002)
          A juventude é um tema amplamente discutido entre os sociólogos e toda a sociedade por considerá-lo parte integrante do processo de desenvolvimento social.
            Observada, não apenas por estudiosos em seus artigos científicos, mas também retratada no meio artístico em suas mais diversas formas, como por exemplo, a música, a banda nacional Engenheiros do Havaí em uma de suas composições trouxe nos anos 80 a imagem de uma juventude em busca de seu espaço numa sociedade de gigantes patriarcal.
            Formada por jovens, os Engenheiros cantam para a juventude. Em um excerto onde se lê: “A juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes” podemos perceber como a juventude dos anos 80 estava se estruturando na terra dos adultos. Afinal, o conceito de juventude é relativamente novo se compararmos o decurso de nossa história, começando, apenas, a ter sua formação a partir dos anos 1950 com o fortalecimento da economia mundial no pós-guerra.
            Segundo o sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002), o conceito de juventude é um dado biológico manipulado e manipulável socialmente, isto é, mesmo que a idade biológica de um indivíduo o coloque como jovem, a sociedade na qual ele está inserido poderá mantê-lo ou conduzi-lo à fase adulta de acordo com suas convenções econômicas. Numa sociedade economicamente elevada os adultos conseguem suprir as necessidades de sua juventude sem que estes sejam obrigados a trabalhar e manter por mais tempo o jovem eu seu estado de preparação, ou seja, na escola; buscando manter a reprodução do sistema econômico dos adultos preparando-os para os mais altos cargos de trabalho.
            Ao analisarmos a letra proposta, acima citada, podemos perceber como a juventude fora retratada na sociedade. O título da canção “Terra de Gigantes” nos faz evocar o olhar que Bourdieu lança sobre o conceito de juventude. Ao mencionar uma terra de gigantes a banda gaúcha coloca a juventude frente ao mundo dos adultos, ou seja, dos gigantes que possuem o poder social. Com isso, ao rotular a juventude como “banda numa propaganda de refrigerantes” o rock nacional dos Engenheiros do Havaí expõe uma juventude manipulada pelo poder econômico dos adultos.
            O uso da imagem do refrigerante quer alcançar essa parte da nossa sociedade, visto que é um produto largamente comercializado entre os jovens. Afinal, os adultos querem manter os jovens como jovens pelo maior tempo possível para que estes não lhes tomem o poder social muito cedo. O trinômio “banda-propaganda-refrigerante” quer garantir ao jovem o seu espaço de juventude enquanto os gigantes comandam a sociedade.
            Assim, podemos dizer de maneira simples, mas sem finalizar o debate sobre o tema, que a juventude cantada pelos gaúchos dos Engenheiros do Havaí denota uma luta de poder entre bandas e gigantes, entre jovens e adultos, onde cada um procura ser reconhecido socialmente.

            “Hey mãe! / Eu tenho uma guitarra elétrica / Durante muito tempo isso foi tudo / Que eu queria ter”.  Nossa juventude busca seu reconhecimento, algo que ficou pra trás, e que luta para se colocar como indivíduo ativo na sociedade.


terça-feira, 24 de maio de 2016

A ascese protestante e o capitalismo moderno


Max Weber (1864-1920)
            Considerado um dos clássicos da sociologia, o alemão Max Weber (1864-1920) teve em sua trajetória intelectual o reconhecimento de grande parte de seu trabalho como pensador do estudo do capitalismo ao analisar o processo de racionalização chamado “desencantamento do mundo” frente o protestantismo e a economia.
            Em sua obra A Ética protestante e o Espírito do Capitalismo – texto considerado o mais conhecido do autor – Weber lança o seu olhar para as relações entre o capitalismo e o protestantismo calvinista na construção da nova sociedade puritana na Europa de sua época.
            Para Weber, a religião possui um aspecto fundamentalmente importante no desenvolvimento da sociedade. Reconhece também que a disciplina e a pregação dos lideres cristãos exerce influência na vida individual das pessoas e em toda nossa sociedade. Em discussão com o puritanismo calvinista ele observa a ideia de vocação em contraposição à ascese católica da Idade Média que via a riqueza em si como um sério perigo para a santificação. Os protestantes calvinistas ingleses não viam obstáculos na riqueza do clero; antes, um aumento da sua reputação mediante aplicação de juros em seus negócios visando o lucro.
            Segundo ética protestante o trabalho ganha uma significativa ênfase no combate ao ócio improdutivo “Pois o ‘eterno descanso da santidade’ encontra-se no outro mundo; na Terra o Homem deve, para estar seguro de seu estado de graça, ‘trabalhar o dia todo em favor do que lhe foi destinado’” (Weber). Assim, perder tempo significa, agora, o principal pecado. A sentença “Time is Money” de Franklin passa a ser observada em um sentido espiritual, onde toda hora perdida redunda na perda da glorificação de Deus. O trabalho constitui, antes de tudo, a finalidade da vida, pois, conforme a expressão paulina “quem não trabalha não deve comer” e isso vale para todos, ricos e pobres.
            Outro aspecto da ascese protestante é o fomento das especializações dos trabalhos individuais gerando uma melhoria tanto quantitativa quanto qualitativa. O trabalhador especializado efetuará seu ofício ordenadamente. Sua vida profissional é sinônima de seu estado de graça. Não é a santificação de um povo, uma comunidade, mas a Graça divina no indivíduo moralmente aceita como vocação para o trabalho pedida por Deus. O self-made man ou empreendedor autônomo é a demonstração da aprovação ética. Deus abençoa os negócios para aqueles homens que aproveitam as oportunidades divinas. A utilidade de uma vocação é orientada por critérios morais, pelos bens e principalmente pela lucratividade.
O Quaker era um grupo religioso
entre os puritanos
            A atitude do puritanismo em sua crença de ser tido como povo escolhido por Deus caracteriza os representantes dessa nova ética emergente da burguesia saída após o período medieval dos nobres ociosos sentados em seus tronos e cátedras de luxo.  Os novos protestantes representam uma época heroica do funcionalismo racional do capitalismo urbano focado nos lucros dos pequenos empreendedores individuais.
            Essa busca pela lucratividade corroborada pela crença religiosa trouxe um acúmulo de bens nas sociedades protestantes, mas também uma perda significativa nas artes, afinal o puritanismo tinha um ódio feroz contra tudo que cheirasse a superstição mágica e festividades com símbolos religiosos, como por exemplo, árvore de Natal e pinturas artísticas nos templos. Essa característica tendência para a uniformidade da vida contribui para a padronização capitalista visando o uso racional e utilitário da riqueza.  Ostentar o luxo na vida religiosa e ceder à idolatria da carne.

Mas, o que era ainda mais importante: a avaliação religiosa do   infatigável, constante e sistemático labor vocacional secular como o mais alto instrumento de ascese, e, ao mesmo tempo, como o mais seguro meio de preservação da redenção da fé e do homem, deve ter sido presumivelmente a mais poderosa alavanca da expressão dessa concepção de vida, que aqui apontamos como “espírito” do capitalismo. (Weber)


            Esse estilo de vida favoreceu o estabelecimento de uma vida econômica racional tendo sido o berço do moderno “homem econômico”.  A conduta racional baseada na ideia de vocação torna-se o elemento fundamental para a compreensão da ética protestante e o espírito do capitalismo, pois a ação do indivíduo, sendo ela religiosa ou não reverbera na transformação da sociedade. Neste caso, podemos dizer que há um “desencantamento do mundo”, onde a arte e a mágica das curas dá espaço para os homens agraciados pelo labor e seu desenvolvimento cultural como “especialistas sem espírito, sensualistas sem coração” para elevar o crescimento racional e econômico do indivíduo e sua sociedade.

Puritanos


terça-feira, 3 de maio de 2016

A sociedade tem precedência sobre o indivíduo?


            Para que a sociologia se estabelecesse como ciência autônoma e se apresentasse com tal seria necessário possuir um objeto próprio de estudo. Um dos seus principais nomes foi o francês Émile Durkheim (1858-1917) evocado entre os clássicos da sociologia. Para Durkheim é necessário buscar um método de estudo para se compreender a sociedade e os seus fatos sociais.
            Em sua obra As regras do método sociológico (1895) ele capitula: o que é o fato social? Tal conceito, antes de tudo, está posto como uma das principais ideias do autor ao analisar a sociedade. Durkheim diz: “(...) não há por assim dizer acontecimentos humanos que não possam ser chamados sociais.”
            O binômio sociedade-indivíduo, em Durkheim, passa para além de uma altercação sociológica, ele denota uma precedência de um sobre o outro. Por ser o fato social algo que está dado na sociedade, ou seja, exterior ao ser humano, tal processo de sociabilidade é sempre forte sobre a individualidade. O primeiro momento fundamental para se perceber que existe uma precedência de um sobre o outro é tratar o fato social como coisa a ser observada. Perceberemos que a sociedade tem precedência sobre o individuo. Desse modo, temos a certeza que o fato social está posto fora do indivíduo e que pode ser objeto de estudo da ciência.
            A partir de um fato social pode se estudar toda uma sociedade, visto que os pressupostos da Exterioridade (onde o fenômeno existe de forma independente e particular); da Coercitividade (onde há uma imposição de algo que impele o indivíduo de determinada forma) e da Generalidade (onde um fato social pode cobrir uma sociedade inteira) constroem, com o conceito basilar de sua obra, a precedência da sociedade em relação ao indivíduo.

            Assim, para Durkheim, o fato social, imprime de toda maneira, dado a sua existência própria, a independência e precedência às manifestações individuais.